Wednesday, December 06, 2006

e, de repente,

parou.
Assim, do meio do nada, parou.
Olhou para trás, não, não posso, já chega, virou-se para a frente e tentou respirar.Vamos, é fácil. Não, não posso. É fácil, sabes lá tu, deixa-te de merdas e respira, pára com isso! Não é por me dizeres para respirar que vai ser mais fácil! Não é -DE TODO- fácil! Pára! Bate, bate, bat, bat batbat, bat, batbat, não bate. Respira, está quieto! Vamos, pára! não parou. inspira, ainda não parou, bate bate, batbat. suspira, mas respirar é mais difícil. Não se pode deixar pensar nisso. nem deixar de pensar. Não me toques. Mas temos de saír daqui, não temos de ir a lado nenhum, não me toques. Não sente os joelhos, deixou-os lá atrás, quando virou a enésima esquina sempre, sempre a acelerar, respira, já nem consegue rir. Tem os lábios trancados num esgar que lhe rasga a cara até à nuca, mas nem isso facilita a entrada do ar, cortante. que nem lâminas. soluça, já não sabe o que fazer, já nada controla, já nada comanda, nem o senso comum, nem o juízo, nem o batebate nem o deixar de bater. Até isso está nas mãos de outra pessoa, não batas, por favor, não me batas mais. Não sente os dedos, partiram-lhos lá atrás, quando dobrou a enésima mentira sempre, sempre a inventar, a acelerar, inspira, já nem consegue soletrar. Tem os ouvidos marcados por riscas de som que lhe passaram a cabeça enquanto corria, mas nem isso impede que ouça a voz afilada que penetra o cérebro de lés a lés. soluça, já não sabe o que fazer, tem cada vez menos controle, já nada comanda, nem a ponta dos dedos, nem a ponta da língua, nem o pulsar nem o deixar de doer. Até isso está nas mãos de outra pessoa, não doas, por favor, não me magoes mais. Não sente as costas, quebraram-lhe o pescoço lá atrás, quando lhe partiram a enésima costela sempre, sempre, sempre a abrir, sem hesitar, sem duvidar que não voltariam a pensar no que estavam a fazer. Sem duvidar de que se esqueceríam da sua cara, do seu ser, do seu olhar ensaguentado como demasiados outros, da maneira como lhe rasgaram a língua com um alicate redondo, como lhe enfiaram o crâneo para dentro com um tijolo quando começou a correr, demasiado longe para que lhe chegassem punhos, bolas de ferro, que se lhe destinavam. Sem duvidar, sem esquecer o pormenor, para depois não lembrar de mais um, igual, menos um, melhor. Não sente a testa, muito menos os lábios, arrancaram-lhos quando queriam respostas os mestres da retórica, quando lhe estilhaçaram o enésimo dente e o fizeram engolir na pressa de consumar a sua mentira. Entre dentes, não, nem os odia ranger. Já nem se podia conter, não deixaram, mas deixaram-lhe o corpo ali, mas não lhe deixaram nada com que se pudesse identificar. Nem deixaram que tivesse alguma dignidade, até esses farrapos lhe levaram. Deixaram-lhe o bater, o bate bate, o bat bat o bat -- já bate pouco, pouco falta para resistir. Por favor. Não bate. Por favor. virem-se. deixem que não bata. virem-se, por favor. deixem-me. aqui. deixem que fique aqui... até que deixe de me bater. até que não bata. até que não... não bate.
e, de repente, parou.